domingo, outubro 18, 2009

ONU em guarda contra tráfico de órgãos

Nações Unidas, 15/10/2009, (IPS) - O crescimento do mercado de transplantes levou a Organização das Nações Unidas e o Conselho da Europa a pedir urgência ao estudo de uma convenção internacional que regule as doações de órgãos e tecidos humanos.


O tráfico de órgãos também assume a modalidade chamada "turismo de transplantes", realizado por pacientes do Norte rico que viajam para comprar órgãos retirados de homens, mulheres e crianças de nações do Sul pobre onde essas transações não estão reguladas.

A convenção é necessária "para impedir o tráfico de órgãos, tecidos e células, proteger as vítimas e processar os infratores", diz o documento, encomendado a quatro especialistas de renome pela ONU e pelo Conselho da Europa, bloco formado por 47 países. Os autores do estudo distinguiram entre tráfico de órgãos humanos e tráfico de pessoas com a finalidade de retirar órgãos e comercializá-los.

"Esperamos que esta questão se incorpore à agenda o mais rápido possível", disse a assessora especial das Nações Unidas para assuntos de gênero, Rachel Mayanja, ao ser consultada sobre a competência da Assembleia Geral da ONU para redigir um projeto de convenção sobre o assunto. "A maioria das vítimas do tráfico de pessoas é de mulheres e crianças, que sabem muito pouco sobre seus direitos ou sobre como fazer para que estes sejam respeitados", disse Mayanja, que propôs o estudo junto com Maud de Bôer-Buquicchio, subsecretária-geral do Conselho da Europa.

O informe de 98 páginas, intitulado "Tráfico de órgãos e células e tráfico de seres humanos com o propósito de retirar seus órgãos", diz que as leis e regulamentações são fundamentais para que os serviços nacionais de doação e transplante minimizem os prejuízos. Estas normas são necessárias para proteger os doadores vivos e os que precisam de transplante, mantendo os princípios das sociedades. O processo de "doação de material humano para transplante deve ser definido por lei", diz o estudo.

O informe estima que corresponda ao tráfico 5% dos transplantes de rins praticados no mundo, e recomenda como base para toda legislação na matéria a proibição de lucro e a promoção das doações de órgãos, com preferência pelos doadores recém-falecidos. O Observatório Global sobre Doações e Transplantes, criado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Ministério da Saúde da Espanha, estimou que quase cem mil pacientes em todo o planeta recebem a cada ano transplantes de órgãos sólidos, dos quais 65 mil correspondem a rins, 20 mil a fígados e 5.300 a corações.

Mas a quantidade de transplantes de tecidos, entre eles os de córnea e válvula cardíaca, é muito maior, embora não haja números oficiais. "A escassez de órgãos humanos e a pobreza se combinam para criar os mercados", disse à imprensa um dos autores do estudo, Arthur Caplan, presidente do Departamento de Ética Médica da Universidade da Pennsylvania (EUA). O informe assegura que em alguns países da "América do Sul e da Ásia", que não são identificados, se fornece órgãos de doadores mortos, em troca de dinheiro, a estrangeiros que precisam de transplantes de rim, fígado e coração, entre outros.

"É bem conhecido o exemplo de um país asiático onde os órgãos dos presos executados são supostamente usados para a maioria dos transplantes ali realizados", acrescenta Caplan. Esta prática deve ser considerada uma modalidade particular de tráfico de órgãos, devido às dúvidas que surgem sobre a validade do consentimento do doador condenado à morte e pelo fato de muitos de seus órgãos acabarem transplantados em estrangeiros. Ao ser perguntado sobre o motivo de esses países não serem identificados no estudo, Caplan disse que contaram apenas com informações obtidas através dos meios de comunicação. "Procuramos ser justos porque as situações são sofrem alterações", acrescentou.

A promotora austríaca Carmen Prior, também coautora do informe, situou entre os grandes defeitos da normativa a falta de uma definição internacional de tráfico de órgãos. É preciso elaborar uma que se baseie em três princípios básicos: prevenção, proteção e acusação, afirmou. Não existe nenhuma norma de caráter obrigatório no âmbito da ONU que estabeleça o principio de proibir o lucro com a comercialização de corpos humanos ou suas partes, explicou. Mas a Assembleia Mundial da Saúde, órgão reitor da OMS, acordou em 1991 uma série de "princípios-guia sobre transplantes de órgãos humanos".

Entre esses princípios figura a proibição de dar e receber dinheiro ou qualquer transação comercial na matéria, mas essa restrição não inclui os gastos com a recuperação, preservação e envio dos órgãos. Também enfatizam a proteção de menores de idade e outros setores vulneráveis da coerção ou indução imprópria para doar órgãos. Embora não sejam de cumprimento obrigatório, estes princípios são amplamente reconhecidos e estão incorporados a muitas normativas profissionais e leis.

A proibição do lucro também é essencial para consolidar um sistema de doações baseado no principio do altruísmo, tanto de doadores vivos como de falecidos, diz o estudo. Consultado sobre informes segundo os quais cadáveres humanos utilizados em "exibições de corpos" itinerantes de caráter didático procedem de prisões chinesas, Caplan disse que nesse campo também deveriam ser aplicados os princípios validos para o tráfico de órgãos. Thalif Deen

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