''Judiciário, às vezes, cria problemas''
Ele vê ativismo do STF como disfunção e diz que corte muitas vezes tem atuado fora da sua competência constitucional
Guilherme Scarance
O Judiciário brasileiro tem caminhado "fora dos trilhos", alerta o jurista Elival da Silva Ramos, que acaba de conquistar uma cadeira de professor titular de Direito Constitucional da Universidade de São Paulo (USP) com uma tese contrária ao ativismo desse Poder. "O Judiciário, às vezes de maneira um pouco inconsequente, tenta resolver os problemas nacionais, custe o que custar. E, na verdade, cria outros problemas", disse ele ao Estado. "Se acreditarmos que o STF pode decidir de maneira livre, aquilo que quiser, então joga fora a Constituição e o Supremo vai escrever outra."
Em sua tese, o sr. apresenta uma posição bastante crítica em relação ao ativismo no Judiciário, um dos temas mais polêmicos de hoje. Por quê?
Em primeiro lugar, me preocupei em definir exatamente o que seja o ativismo judiciário, porque, de acordo com o sentido que você atribui à expressão, varia o posicionamento. Procurei mostrar que, pelo menos no sistema jurídico brasileiro, ele deve ser visto como uma disfunção do Judiciário. Tem um sentido claramente negativo. Significa, na verdade, o Judiciário caminhar fora dos trilhos, ou seja, praticar um ato, proferir uma decisão, contrariamente àquilo que o direito estabelece. Há dois contrapontos: há o passivismo e o ativismo, que é o extremo oposto. É se desprender, abandonar completamente os limites do sistema jurídico para construir uma solução.
Troca de partido, demarcação de reserva indígena, fidelidade partidária, direito de greve de servidor, nepotismo. O STF opina cada vez mais e sobre temas mais abrangentes. Qual a marca dessa atuação?
Procurei primeiramente construir parâmetros para aferir o ativismo. Não basta ter a sensação de que o Judiciário extrapolou, é preciso demonstrar cabalmente se está correto ou não. Desenvolvi isso teoricamente. Apanhei alguns casos e apontei decisões que a meu ver são manifestamente ativistas. O STF decidiu além daquilo que lhe é dado fazer, fora da sua competência constitucional. Um dos casos de ativismo é a perda de mandato por desfiliação partidária, outro é o nepotismo. Existe uma tendência ao ativismo que não existia no Supremo. Ao contrário, se tinha algum pecado, era o passivismo. De pelo menos cinco anos para cá, nota-se uma mudança, talvez em razão da forte alteração da composição do Supremo.
O Judiciário entrou em cena quando o Congresso se omitiu ou atrasou. Um Judiciário forte com um Legislativo combalido não gera choque de Poderes?
Uma causa do ativismo é justamente o baixo nível de efetividade do Parlamento. Mas não é só o Parlamento, é também o Executivo. Frequentemente se omitem, atrasam ou adotam soluções insatisfatórias. É uma crise de efetividade ou de governabilidade, que acaba sendo um dos motores do ativismo. O Judiciário se vê muita vez instado, há um convite para que supra a lacuna. Mas nem sempre é possível suprir essa lacuna. Há escolhas políticas que têm de ser feitas e o Judiciário não é legitimado a fazê-las. Não houve eleição de alguém para isso.
Como analisa a superexposição do STF? É benéfica ou prejudicial?
Era inevitável que aparecesse bastante, em função da própria Constituição de 1988, em que há funções novas, especialmente para o Supremo. Agora outra coisa está no STF não perceber que ele pode e deve exercer essas competências, mas elas são limitadas. O Supremo não pode resolver todas as questões jurídicas nacionais - muitas dependem de lei, emenda. O STF acabou dando alguns passos no sentido de transpor uma linha, que é o limite de suas funções.
O que mudar para o STF julgar apenas o que cabe a uma corte constitucional?
Precisaríamos adotar um sistema de controle concentrado - padrão vigente em toda a Europa. Em um caso concreto, se surge uma questão de constitucionalidade, manda para o Supremo, ele define. Definindo aquele caso, está definindo todos. Não precisa mais julgar nenhuma vez. E o STF só teria competência para julgar ações diretas e alguns poucos casos que, pela natureza das pessoas envolvidas ou da matéria, justificasse. Não vai ficar julgando casos comuns. Essa prática comum hoje de o Supremo receber qualquer habeas corpus, desde que tenha sido negado em tribunal imediatamente abaixo, é um absurdo, não existe em lugar nenhum do mundo. Não tem cabimento.
Houve alguma reação, dentro ou fora do STF, pelo tom crítico do seu trabalho?
A Faculdade de Direito do Largo São Francisco tem dois ministros do STF, Eros Grau e Ricardo Lewandowski. O ministro Lewandowski acompanhou parte da defesa de tese. Agora, o trabalho tenta trazer um pouco mais de reflexão objetiva e provocar um debate, de construir algo objetivo. Se acreditarmos que o STF pode decidir de maneira livre, aquilo que quiser, então joga fora a Constituição e o Supremo vai escrever outra. Espero que o Supremo reflita, perceba que isso pode ter consequências graves e procure um caminho mais equilibrado.
Em sua tese, o sr. apresenta uma posição bastante crítica em relação ao ativismo no Judiciário, um dos temas mais polêmicos de hoje. Por quê?
Em primeiro lugar, me preocupei em definir exatamente o que seja o ativismo judiciário, porque, de acordo com o sentido que você atribui à expressão, varia o posicionamento. Procurei mostrar que, pelo menos no sistema jurídico brasileiro, ele deve ser visto como uma disfunção do Judiciário. Tem um sentido claramente negativo. Significa, na verdade, o Judiciário caminhar fora dos trilhos, ou seja, praticar um ato, proferir uma decisão, contrariamente àquilo que o direito estabelece. Há dois contrapontos: há o passivismo e o ativismo, que é o extremo oposto. É se desprender, abandonar completamente os limites do sistema jurídico para construir uma solução.
Troca de partido, demarcação de reserva indígena, fidelidade partidária, direito de greve de servidor, nepotismo. O STF opina cada vez mais e sobre temas mais abrangentes. Qual a marca dessa atuação?
Procurei primeiramente construir parâmetros para aferir o ativismo. Não basta ter a sensação de que o Judiciário extrapolou, é preciso demonstrar cabalmente se está correto ou não. Desenvolvi isso teoricamente. Apanhei alguns casos e apontei decisões que a meu ver são manifestamente ativistas. O STF decidiu além daquilo que lhe é dado fazer, fora da sua competência constitucional. Um dos casos de ativismo é a perda de mandato por desfiliação partidária, outro é o nepotismo. Existe uma tendência ao ativismo que não existia no Supremo. Ao contrário, se tinha algum pecado, era o passivismo. De pelo menos cinco anos para cá, nota-se uma mudança, talvez em razão da forte alteração da composição do Supremo.
O Judiciário entrou em cena quando o Congresso se omitiu ou atrasou. Um Judiciário forte com um Legislativo combalido não gera choque de Poderes?
Uma causa do ativismo é justamente o baixo nível de efetividade do Parlamento. Mas não é só o Parlamento, é também o Executivo. Frequentemente se omitem, atrasam ou adotam soluções insatisfatórias. É uma crise de efetividade ou de governabilidade, que acaba sendo um dos motores do ativismo. O Judiciário se vê muita vez instado, há um convite para que supra a lacuna. Mas nem sempre é possível suprir essa lacuna. Há escolhas políticas que têm de ser feitas e o Judiciário não é legitimado a fazê-las. Não houve eleição de alguém para isso.
Como analisa a superexposição do STF? É benéfica ou prejudicial?
Era inevitável que aparecesse bastante, em função da própria Constituição de 1988, em que há funções novas, especialmente para o Supremo. Agora outra coisa está no STF não perceber que ele pode e deve exercer essas competências, mas elas são limitadas. O Supremo não pode resolver todas as questões jurídicas nacionais - muitas dependem de lei, emenda. O STF acabou dando alguns passos no sentido de transpor uma linha, que é o limite de suas funções.
O que mudar para o STF julgar apenas o que cabe a uma corte constitucional?
Precisaríamos adotar um sistema de controle concentrado - padrão vigente em toda a Europa. Em um caso concreto, se surge uma questão de constitucionalidade, manda para o Supremo, ele define. Definindo aquele caso, está definindo todos. Não precisa mais julgar nenhuma vez. E o STF só teria competência para julgar ações diretas e alguns poucos casos que, pela natureza das pessoas envolvidas ou da matéria, justificasse. Não vai ficar julgando casos comuns. Essa prática comum hoje de o Supremo receber qualquer habeas corpus, desde que tenha sido negado em tribunal imediatamente abaixo, é um absurdo, não existe em lugar nenhum do mundo. Não tem cabimento.
Houve alguma reação, dentro ou fora do STF, pelo tom crítico do seu trabalho?
A Faculdade de Direito do Largo São Francisco tem dois ministros do STF, Eros Grau e Ricardo Lewandowski. O ministro Lewandowski acompanhou parte da defesa de tese. Agora, o trabalho tenta trazer um pouco mais de reflexão objetiva e provocar um debate, de construir algo objetivo. Se acreditarmos que o STF pode decidir de maneira livre, aquilo que quiser, então joga fora a Constituição e o Supremo vai escrever outra. Espero que o Supremo reflita, perceba que isso pode ter consequências graves e procure um caminho mais equilibrado.
Do Estadão
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