terça-feira, fevereiro 10, 2009

O naufrágio da megalomania VASA


VASA


Galeão sueco do século XVII, precursor do Titanic




Como o Titanic, era uma maravilha. Foi projetado como o mais elegante e poderoso navio de sua época. Como o Titanic, saiu do estaleiro fragilizado por erros inconcebíveis em sua construção.Como o Titanic, partiu em sua viagem inaugural cercado de pompa e circunstância e aplaudido por milhares de espectadores.Como o Titanic, marinheiro de primeira viagem, naufragou na dita cuja. Ao contrário do Titanic, não sobreviveu ao seu primeiro dia diante das ondas. Ao contrário do Titanic não levou milhares de vítimas para o fundo do oceano, contabilizou algumas dezenas. Ao contrário do Titanic, engolido pelas águas geladas por icebergs no Atlântico Norte, seu naufrágio ocorreu em plena luz do dia, em uma pequena baía, diante da população de uma capital européia. Como o Titanic, provocou um inquérito que não deu em nada. Ao contrário do Titanic, não desapareceu, nem permanece no fundo do mar. Está inteiro, sequinho, em um museu dedicado só a ele. É o Vasa, um galeão sueco, construído na Suécia dos anos 1600 e hoje principal e única atração do Vasa Museet, em Estocolmo.




Foi numa viagem à Escandinávia que descobri, meio sem querer, duas maravilhas arqueológicas na Suécia: Birka, antiga cidade viking (objeto de artigo neste blog em agosto de 2007) e o Vasa, galeão sueco naufragado, com suas velas enfunadas, em plena baía de Estocolmo, minutos após deixar o estaleiro, em 10 de agosto de 1628. Essas descobertas resultaram de detalhes daqui e dali, meio escondidos do grande público, mas perceptíveis aos neurônios de um peregrino da História. Seja folheando um desfolhado e obsoleto guia turístico, a bordo de um trem que bordejava fjords (no caso de Birka) ou captando informação em um poster na vitrine de uma pequena agência de turismo, enquanto conhecia um pouco de Estocolmo correndo pelas margens de sua baía (no caso do Vasa).



A Suécia do Vasa, no século XVII, era um país pobre. Estocolmo tinha 10 mil habitantes, em sua maioria pescadores, agricultores, marinheiros e militares, além da sempre inútil nobreza feudal. Altas taxas de mortalidade e incêndios diários martirizavam a cidade, mas não a realeza. O monarca de plantão, Gustavo Adolfo II, gastava o que tinha e o que não tinha, para manter as aparências, diante dos demais reinos europeus, que flatulavam basófias sobre a pujança de suas forças navais. Invencíveis armadas espanholas, inglesas, francesas e até portuguesas e polonesas provocavam inveja nos herdeiros dos insuperáveis vikings. Em 1625, pressionado pela Guerra dos 30 Anos contra a Polônia, acumulando derrotas navais e perdas importantes na sua flotilha, Gustavo Adolfo II encomendou a um estaleiro luso-holandês, cinco galeões espetaculares, tendo o Vasa como nau capitânea. Os dois engenheiros do estaleiro eram pós-graduados da histórica Escola de Sagres, de Lisboa, famosa por seus ex-alunos, Pedro Álvares Cabral, que saiu para descobrir as Índias e atracou em Salvador, e Vasco da Gama, que também partiu para as Índias, mas não foi além de São Januário, onde perdeu o comando para um antepassado de Eurico Miranda.



Megalônamo, Gustavo Adolfo II, teve no Vasa sua visão de um Taj Mahal apocalíptico.Enlouquecia os construtores, mudando as dimensões e as especificações do galeão, acrescentando canhões e mais canhões, e promovendo uma decoração tipo enredo do marinheiro sueco louco, misturando os temas de todas as escolas de samba na proa, na popa e nas partes pudicas de uma gigantesca mulata flutuante. Tinha estátuas de madeira, pintadas com todas as cores, representando gladiadores e imperadores romanos, filósofos gregos, múmias egípcias, imagens do Velho Testamento, próceres da Renascença, monstruosas figuras mitológicas como grifos, faunos e sereias, símbolos vikings, auto-retratos, brasões e delirantes rococós. Seus devaneios decorativos visavam não apenas a auto-glorificação, com ênfase na intelectualidade e na genialidade militar enquanto monarca, mas também imbuir respeito no povo e pavor no inimigo. Em sua imaginação, talvez considerasse o Vasa um aterrorizante bicho-papão náutico. Quando ficou pronto, o Vasa era gigantesco. Pesava 1.200 toneladas em seus 69 metros de comprimento e 53 metros de altura. Seus três mastros, estrutura, casco e acabamento consumiram cerca de 1.000 troncos de carvalho. Carregava 64 canhões e aproximadamente 700 estátuas.


Esse pesadíssimo sarapatel real impactava a estabilidade, a resistência estrutural, a navegabilidade e a flexibilidade de manobras do incrível galeão. Os engenheiros do estaleiro sabiam disso. Os auxiliares e pajens do rei, idem. Mas todos temiam dizer a verdade, com medo da fúria monárquica. Para piorar, a engenharia naval da época não era escrita, os navios eram o resultado das idéias e experiências de seus projetistas e construtores. No caso do Vasa, dois profissionais detinham todo o conhecimento. Com a morte de um deles, a meio caminho dos trabalhos, a improvisação tomou conta dos desenhos e decisões finais do remanescente. Ai, Jesus ! Concluído, o Vasa exibia cinco decks. No deck superior, sob o céu, ficavam a cabine de comando, o leme, os mastros, as cordas e roldanas de manobra de velas, as espias e os acessos aos pisos inferiores. No segundo e no terceiro decks ficavam os canhões e suas escotilhas, dividindo espaço com os dormitórios da tripulação. O quarto piso era reservado para estocagem de víveres, munição e materiais. O último piso, na quilha do navio, alguns itens de estoque se espremiam entre 120 toneladas de granito, que formavam o lastro para equilíbrio do fantástico galeão. Com aquele peso, com aquela altura e com aquele granito no fundo, é possível afirmar que o Vasa era um paquidérmico "João Teimoso"; aquele boneco palhaço inflado, com areia ou chumbo no fundo e que, empurrado para qualquer direção, balança mas não cai e volta à posição original de equilíbrio. A bateria de testes de estabilidade por que passou o Vasa merecia estar em um dos filmes de Charles Chaplin. Cerca de 30 marujos corriam de um lado para outro , no deck superior, para fazer o navio balançar. Com os construtores ausentes, o teste foi interrompido após algumas carreiras, quando o galeão já rebolava de forma estranha.



Irresponsavelmente concebido e arriscadamente construído, o Vasa era um prenúncio de tragédia anunciada sobre as ondas. No dia 10 de agosto de 1628, o Capitão Söfring Hansson, comandante do Vasa, deu a ordem para o luxuoso galeão militar partir em sua viagem inaugural. Bela manhã de verão em Estocolmo, céu azul, mar calmo e sem marolas, uma ligeira brisa soprando do sudoeste. Com três de suas velas garbosamente enfunadas e exibindo abertas todas as 64 escotilhas de canhões, o Vasa apontou para o leste, disparou dois canhonaços em saudação às autoridades e à população presentes, e adernou perigosamente para bombordo. A brisa mudou de direção e lá foi ele se inclinando para boreste. Orgulhoso, aprumou-se, mas pegou um ventinho mais forte, voltou a balançar ameaçadora e continuadamente para bombordo, viu a água jorrar navio adentro pelas escotilhas de canhões ainda abertas e, em alguns minutos e com algumas centenas de metros percorridos em sua primeira viagem, naufragou pateticamente em 32 metros de águas rasas, o suficiente para deixar à mostra seu três mastros enfeitados por tremulantes e inúteis bandeirolas festivas. A infeliz tripulação de 200 homens, em desespero, buscou salvamento pulando do navio em direção aos barcos que acompanhavam a quase gloriosa partida. Mas cerca de 50 desapareceram, presos no galeão moribundo.



A s notícias do fiasco encontraram o rei Gustavo Adolfo II em uma viagem diplomática ao exterior. Furibundo, ele imediatamente ordenou a prisão do coitado do Capitão Hansson e abriu uma Comissão Real de Inquérito que, como suas descendentes legislativas atuais, depois de muitos berros e acusações para todos os lados, concluiu que o naufrágio havia sido "um ato do Destino". E ficou por isso mesmo. Alguns orgulhos feridos, milhares de dinheiros do pobre reino escandinavo lançados a fundo perdido , algumas famílias órfãs e desamparadas e nenhuma punição.



Apenas dias após o naufrágio e os esforços para recuperar o Vasa já estavam em andamento. Mas a tecnologia para tamanha empreitada ainda não havia sido inventada. No entanto, em 1664, mais de 30 anos após o incidente, uma equipe de mergulhadores suecos e alemães, usando o velho artifício do sino de ar, recuperou 50 gigantescos canhões com peso de bronze apenas para revendê-los para a Alemanha a peso de ouro. Depois da descoberta de seus canhões, os três mastros emergentes desabaram e o Vasa desapareceu na História. A baía de Estocolmo, de águas límpidas, poluiu-se com uma lama negra. A localização exata do Vasa sumiu até mesmo das conversas de marujos bêbados nos portos adjacentes.



Logo após a Copa do Mundo de 1958, quando entregou a Taça Jules Rimet a Bellini, capitão da primeira seleção brasileira campeã do mundo, o rei da Suécia, Gustavo Adolfo V, multineto de Gustavo Adolfo II, aquele do Vasa, resolveu patrocinar a busca do azarado galeão, usando recursos de uma agora rica nação. Deu certo. Em 1959, o arqueólogo amador Anders Franzén desenvolveu um dispositivo para busca de destroços no mar e achou o Vasa. Durante os dois anos seguintes o velho navio, quase intacto, preservado pelas mesmas bactérias que preservaram os navios vikings encontrados inteiros na Escandinávia, escarafunchado por 1.300 expedições de mergulhadores, fez uma vagarosa viagem de volta à superfície, em 36 pequenas arrancadas verticais. Ressuscitou em 24 de abril de 1961, depois de 333 anos submerso. Numa gloriosa manhã de domingo, foi rebocado de volta a seu estaleiro, dessa vez sem balançar e com as escotilhas seladas por centenários moluscos suecos. No resgate e na recuperação do Vasa foram encontrados e catalogados cerca de 26.000 itens. Fora um anel de ouro, seis velas de navegação e alguns canhões, o resto eram utensílios simples, como pentes, baús, canecas de estanho, roupas, luvas, chapéus de feltro, sapatos e tamancos, agulhas de costura, colheres de madeira, moedas, um jogo de gamão e até um kit barbeiro-cirurgião (naqueles tempos, quem aparava barbas e cabeleiras também cuidava de doenças e ferimentos). Quase todas as estátuas também foram encontradas. Além de 20 esqueletos, dentro e fora do navio, mantidos inteiros por suas vestimentas


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VASA


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