Acabei de voltar da praia. Está sol. O mar, esverdeado, transparente, está com jeito de limpinho. Me estendi na cadeira de plástico e pedi, nesta ordem, um picolé de coco, um biscoito de polvilho e um suco de laranja com cenoura. Olhando para o horizonte, com ar satisfeito, pensei: preciso me mudar daqui.
Qual é o motivo? Aí é que está: eu nunca precisei de motivos para ir embora de onde quer que me encontrasse. Ir embora sempre me pareceu imensamente mais proveitoso do que permanecer. Ir embora de uma cidade. Ir embora de um jantar. Ir embora de um espetáculo. Ir embora da praia. Eu gosto da praia. Eu gosto de mergulhar no mar. Eu gosto de ter as costas suadas, grudadas na cadeira de plástico. Eu gosto de ter a pele queimada, naquele estado pré-cancerígeno. Mas muito melhor do que tudo isso é pagar os dez reais à barraqueira e voltar correndo para casa.
Compromissos familiares tornaram bem mais árdua a tarefa de ir embora. Tenho de arrastar um monte de gente comigo. Em geral, em meio a protestos. O fato de nunca ter precisado de motivos para ir embora de onde quer que me encontrasse constitui um grande empecilho, porque me faltam argumentos para persuadir os demais.
Eu digo: "Precisamos ir embora da praia".
Respondem: "Por que precisamos ir embora da praia?"
Eu digo: "Tenho de dar um motivo?"
Respondem: "Tem".
Eu tento ganhar alguns segundos: "Tem de ser um bom motivo?"
Respondem: "Qualquer motivo serve, até mesmo um mau motivo".
Eu arrisco: "Olhem esta mancha. Deve ser um carcinoma".
Assim como um crente dispensa argumentos terrenos para acreditar em Deus, eu também dispenso argumentos para acreditar na necessidade de ir embora. Ir embora é meu valor supremo, absoluto. Migrar é minha única fé. Sou uma espécie de padre Anchieta dos migrantes: tento converter o gentio a tapar as vergonhas, fazer as malas e ir embora. Em se tratando de brasileiros e brasileiras, essa é invariavelmente a parte mais difícil: tapar as vergonhas. Adeus.
Diogo Mainardi
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