O Estado, como ente jurídico criado pelo poder soberano do povo, amplia cada vez mais vantagens processuais sobre o cidadão, quando inicia ou responde a uma ação judicial. Para auferir as benesses legais, que se aproxima de abusos, mantém ou altera as leis, através do poder e das influências que exerce sobre o Congresso Nacional. Isto acontece, porque não se confia no cidadão e quer-se reduzi-lo simplesmente a súdito.
Diante da inércia, ou da busca de oportunidades e conveniências pelo Estado, os tribunais abandonam a visão clássica de instâncias estritamente legais e passam a ocupar espaços que influem na governabilidade, fazendo cumprir preceitos constitucionais, fundamentalmente nas áreas mais reclamadas pela população: saúde, segurança, educação, transporte, saneamento e habitação. Os aplicadores do direito são convocados, através de ações judiciais, a exemplo da direta de inconstitucionalidade ou do mandado de segurança, para tomarem posição já como agentes políticos e não meramente na condição de técnicos jurídicos; com este encargo forçam a administração a implementar as políticas públicas.
A saúde, apesar de ser pressuposto essencial da dignidade da pessoa humana, torna-se, em muitos momentos, difícil para a população, por omissão do governo; na área de segurança é ridículo, quando se ouve os agentes públicos aconselharem ao cidadão para não reagir aos criminosos que nas ruas ou nas residências matam e roubam sem ação concreta alguma do poder público; o transporte público não deve ser atividade voltada somente para o lucro, porque executada sobre o bem comum do povo, - ruas, avenidas, estradas, -; aliás, segurança e transporte público são ações básicas para bons resultados na sadia qualidade da vida; na educação o Estado não assegura acesso de todos ao ensino fundamental, não garante a gratuidade do ensino público nos estabelecimentos oficiais; o descaso com o saneamento básico e com a habitação aprofunda ainda mais para descumprimento das diretrizes constitucionais.
Os julgadores são convocados para obrigar o governante a cumprir preceitos legais no fornecimento de medicamentos aos cidadãos, no oferecimento de vagas ou leitos nos hospitais públicos, na garantia da segurança e transportes públicos, na educação para todos, no saneamento básico e na moradia.
Com o uso cada vez maior dos serviços judiciários, o Estado retira espaços do jurisdicionado; sabe-se que em torno de 80% de todas as demandas que tramitam na Justiça envolve a Fazenda Pública como autora ou ré, recorrente ou recorrida. Cria-se um poder para solucionar conflitos e o maior usuário é exatamente quem devia zelar pelo cumprimento da lei.
Para se ter idéia, a recusa do Estado em pagar correção monetária do FGTS, reajuste dos benefícios da aposentadoria implicou na propositura de quase dois milhões de ações judiciais. E não é incomum demandas desta natureza, pois o governo de plantão sempre encontra uma forma de violar o direito do individuo, certo de que obterá ganhos com o atraso da prestação jurisdicional.
A despeito de tudo isto, a Autoridade Pública, quando litiga em juízo, ainda possui prerrogativas ou privilégios consistentes em:
Processo Especial de Execução. As execuções fiscais até o ano de 1980 seguiam o procedimento comum; a partir da edição da Lei n°. 6.830/80, passou-se a observar rito especial, visando dar maior celeridade às cobranças promovidas pela Fazenda Pública. O Estado dispõe de meios expeditos e coercitivos para cobrar, - apreensão de mercadorias, certidões negativas, - mas o cidadão não possui igual condição para receber eventuais créditos, - precatórios.
Comunicação Diferenciada. A intimação, nas execuções fiscais só se completa se feita pessoalmente ao representante da Fazenda Pública, diferentemente do que se faz com o cidadão. O Diário Oficial, de fácil acesso aos representantes do Estado, não se presta para seus chamamentos, mas é recurso usado para intimar o cidadão comum.
Foro Especial. O foro, ou seja, o lugar onde se pode ingressar com ação contra a União, o Estado ou o Município terá de ser necessariamente na Capital ou sede municipal, obrigando-se o cidadão a deslocar-se de sua residência para propor ação.
Prazo Especial. O prazo para o cidadão contestar uma ação é de quinze dias, enquanto para o Estado é de sessenta dias; para recorrer o jurisdicionado tem quinze dias, enquanto o Estado dispõe de trinta dias.
Juízo Privativo. A Administração Pública ainda dispõe de justiça especializada e bem aparelhada, a Justiça Federal, única competente para dirimir seus conflitos.
Recurso de ofício. O duplo grau de jurisdição é outro privilégio indevido conferido ao Poder Público. Significa que se o cidadão ganha uma causa contra a Fazenda Pública terá de esperar por pronunciamento do Tribunal para tornar efetiva a sentença. Este instituto constitui-se em verdadeiro privilégio e afronta à igualdade das partes e ao princípio da celeridade processual. Viola a voluntariedade, a legitimidade e o preparo, características básicas para admissibilidade dos recursos.
Honorários em valores menores. A lei confere fixação diferenciada de honorários advocatícios quando o Estado é vencido, quando poderia condenar o governante que deu causa à demanda judicial.
Despesas Processuais. A Fazenda Pública é dispensada de fazer depósito prévio de 5% sobre o valor da causa para ingressar com ação rescisória, não está obrigada a pagar custas judiciais, por antecipação, assim como é liberada do adiantamento de despesas dos atos processuais requeridos, providência exigida somente no final pelo vencido, diferentemente da prescrição legal para todo cidadão.
Restrição na concessão de liminar. O juiz está impedido de conceder liminar e tutela antecipada contra a Fazenda Pública em vários momentos, entes os quais, quando se trata de deferir compensação de créditos tributários e previdenciários, no procedimento cautelar, sempre que igual procedimento não for possível em mandado de segurança.
Tais prerrogativas não se compatibilizam com o princípio da isonomia processual, art. 5º Constituição e art. 125 CPC, daí porque consideradas privilégios abusivos do ente público.
A alegação de interesse público e dificuldades burocráticas são as motivações que se busca para justificar tais facilidades processuais, apesar da grandeza do ente público com toda uma estrutura organizacional para litigar em juízo.
O Estado, atualmente, pode tudo: legisla, executa as leis e julga a execução das leis, como bem disse o Ministro Marco Aurélio. Enfim, o Estado manipula a legislação brasileira para se beneficiar no processo judicial, tirando do juiz o poder de julgar com equilíbrio e do cidadão o direito material conferido por lei.
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