domingo, novembro 09, 2008

Só um milagre salvará o Sul da Bahia da Seca

A região do cacau está sendo castigada pela pior estiagem dos últimos 28 anos, segundo os dados da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac). Numa região acostumada com índices pluviométricos acima de 700 mm anuais, há mais de cinco meses o sol intenso castiga as roças de cacau, seca as aguadas, açudes e o capim dos pastos da zona de pecuária.

Centenas de animais estão morrendo por falta de comida. A água que está sendo consumida é a que sobrou nos açudes e aguadas. É disputada pelos moradores da região e por animais.

A população do sul baiano, que até então só conhecia as conseqüências das estiagens pelo noticiário sobre outras regiões da Bahia e pelas canções de Luiz Gonzaga, está assustada e não sabe o que fazer.

Na fazenda de Antônio Carlos Wense, cerca de 200 reses já morreram de fome. Ele garante que nunca passou por situação semelhante. "É extremamente grave, e se não chover nos próximos dias o quadro vai se agravar", avalia o fazendeiro.

Na região de Itaju do Colônia, nos últimos 30 dias, cerca de 700 cabeças de gado morreram por não ter o que comer. "Até que ainda existe água, mas não tem comida, os pastos estão secos, o boi está comendo terra", afirma Rosana Lima, da área de mobilização do sindicato rural. Na região de Itamaracá, o quadro é parecido. Na Fazenda Esperança, 15 reses morreram nos últimos dias.

SAFRA – No caso do cacau, apesar de protegido pelas árvores mais altas, ele não suporta os efeitos da estiagem. As folhas verde-escuras agora dão lugar ao marrom e se confundem com os cachos da vassoura-de-bruxa, doença que ataca a espécie.

"Este ano, não ocorreu o lançamento de folhas novas pelas árvores, o que geralmente ocorre durante o mês de setembro. Em seguida, surgem as flores, depois os bilros e por fim os frutos. Esse processo foi prejudicado pela estiagem", explica o cacauicultor Eduardo Costa.

A conseqüência é o comprometimento da safra de abril, chamada temporã, que possivelmente só vai acontecer em junho ou julho. Desta forma, a Bahia terá apenas uma safra e não duas, como é o normal. Serão nove meses sem frutos no pé de cacau, e os produtores ficarão sem dinheiro para custear as fazendas.

Para o cacauicultor Manuel Neri, só um milagre pode salvar a produção já penalizada pelas pragas e agora dizimada pelo sol escaldante. "Desde 1980 que o sul da Bahia não fica sem chuvas por mais de cinco meses. Nunca vi nada igual", relata Neri. A situação se repete nos municípios de Camacan, Ipiaú, Arataca, Itacaré, Uruçuca e Ilhéus.

"Depois da seca, virão as chuvas e com elas a umidade excessiva, criando um ambiente próprio para a reprodução da vassoura-de-bruxa", explica o presidente da Associação dos Produtores de Cacau (APC), Henrique Almeida.

Segundo ele, as folhas secas contaminadas pela vassoura-de-bruxa serão transformadas em "esporos" que disseminam a doença entre as árvores sadias. O processo de esporulação ocorre a partir de um índice de 90 mm de chuva.

RACIONAMENTO – Para a população de Itabuna, as conseqüências da estiagem extrapolam o campo e chegam à cidade, onde cerca de 220 mil pessoas estão obrigadas a racionar água. O município é abastecido por uma estação de captação que fica num poço nas margens do Rio Almada, em Ilhéus.

Em setembro, a qualidade já era ruim, porque a vazão do rio baixou a ponto de permitir a influência do mar durante as marés altas. Agora no local aparece apenas o cascalho do fundo do rio.

O Rio Cachoeira, que divide a cidade, está completamente seco, tomado por baronesas e outras plantas aquáticas que crescem nas poças alimentadas pelo esgoto de Itabuna e outras cidades do entorno. É um ambiente propício para a infestação de muriçocas e pernilongos.

QUEIMADAS – Em meio à calamidade surgem as queimadas que devoram árvores, animais e todo frágil ecossistema da região. Sem a fiscalização de nenhum órgão ambiental, áreas de florestas inteiras estão ardendo em chamas.

Muitos fazendeiros ainda adotam a prática desastrada de atear fogo no capim para "renovar" o pasto, sem se dar conta dos riscos ambientais e materiais. O vento permanente leva as chamas até as clareiras ou estradas vicinais que cortam as fazendas.

Se os fazendeiros agem dessa forma, os trabalhadores também incendeiam o mato seco das margens das rodovias. Esse é um risco ainda maior, porque em certas ocasiões a fumaça impede a visibilidade dos motoristas e todas as rodovias no sul da Bahia são sinuosas e mal-sinalizadas.

No A Tarde

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