A publicação, lançada ontem, é fruto do trabalho de pesquisa de 22 organizações ligadas à defesa dos direitos humanos e traz um panorama da situação brasileira. O balanço mostra poucos avanços em relação à garantia da dignidade no país. Na avaliação de Maria Luisa Mendonça, diretora da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos e uma das organizadoras do relatório, o Brasil segue sem enfrentar as causas do desrespeito a direitos básicos, como alimentação e Saúde pública.
Um capítulo do documento é dedicado aos trabalhadores em canaviais de São Paulo. Segundo o relatório, houve 22 mortes de 2004 a 2008. Os cortadores teriam perdido a vida de tanto trabalhar. A lógica dos ganhos nos canaviais explica a hipótese. Em 1970, a média diária imposta a cada cortador era de 3,5 toneladas de cana por dia. De 1980 a 1990 variou entre 4,5 e 6,10. Na década de 2000, atingiu a marca de 9 a 12 toneladas. A produtividade dita o salário. “É o motor perfeito para produzir esgotamento humano”, afirma o frei Xavier Plassat, coordenador nacional da campanha da Comissão Pastoral da Terra (CPT) contra o trabalho escravo no país.
EtanolLevantamento feito nas varas trabalhistas de Batatais, Franca, Sertãozinho — região próxima à Ribeirão Preto, em São Paulo, que concentra grandes usinas e é chamada de capital mundial do etanol — mostrou que as reclamações dos cortadores de cana dizem respeito a direitos básicos violados, tais como pagamento de multa de 40% sobre o FGTS, de horas-extras e de seguro-Desemprego. Incluindo todos os ramos de atividade do país, houve, até início de outubro, libertação de 3.906 pessoas em condições análogas à escravidão. Em 2007, foram 5.968.
Para o frei Plassat, a ligeira queda não significa avanços. “Acho que o melhor indicador é o número de denúncias, que continua na média de 250 a 280. Claro que devemos considerar como um dado importante a quantidade de trabalhadores libertados. Mas basta um canavial com mil trabalhadores para esse indicador mudar significativamente”, afirma o frade. De acordo com o relatório, a taxa de verificação das denúncias aumentou, chegando a 75%. A média era de 35%. Plassat contesta o dado. “Hoje, os meios de denunciar são muitos e não conhecemos a totalidade dos registros. Mas houve aumento da fiscalização, criação de equipes regionais, isso é um avanço, sem dúvida”, diz.
Antes concentrada na região Norte, a ocorrência de trabalho escravo tem mudado. Até outubro de 2008, foi o Centro-Oeste o maior pólo de exploração de mão-de-obra, com 37% de todos os libertados no ano.
Matança policialA violência praticada por policiais também foi analisada no documento. Com dados do Rio de Janeiro e São Paulo, a constatação é de que os agentes de segurança mataram mais civis que no ano passado. O número de mortes subiu de 201 para 245 — aumento de 21% — em São Paulo. No Rio, chegou às impressionantes 810 vítimas nos primeiros sete meses de 2008, um acréscimo de 8% em relação aos 744 registros no mesmo período.
“Não existe nada parecido no mundo com o que ocorre no Rio. Pior: a polícia carioca é incentivada a agir assim por uma política equivocada. Quando você entende que não é matando e sim prendendo que se diminui a criminalidade, usando para isso inteligência e tecnologia, as coisas funcionam”, afirma José Vicente da Silva Filho, coronel da reserva da PM de São Paulo e ex-secretário nacional de Segurança Pública. Ele lembra que, “numa previsão otimista”, pelo menos 80% das vítimas de violência policial são pessoas pobres.
Cerrado sob ameaçaO desmatamento foi outro tema mencionado no Relatório Direitos Humanos no Brasil 2008, com atenção especial ao cerrado. A previsão, conforme alerta o documento, é de que a total destruição do bioma poderá ocorrer em 2030, se continuadas as taxas atuais de devastação. Casos de índios assassinados e que se suicidaram também mereceram destaque na publicação. Não houve diminuição dos homicídios contra indígena este ano, em relação ao 2007, ficando numa média de 45 registros.
A presença feminina ganhou destaque no relatório. Um caso grave de violação dos direitos femininos apontado no documento é o das Mulheres de Mato Grosso do Sul que, depois do estouro de uma clínica de aborto e apreensão de prontuários, foram processadas pelo crime de interrupção voluntária da gravidez. “Consideramos esse fato muito grave, porque se trata de uma criminalização em massa das mulheres, sem levar em conta outros aspectos sociais, emocionais e de Saúde envolvidas”, destaca Soraya Fleischer, antropóloga e consultora do Centro feminista de Estudos e Assessoria. No Brasil, são realizados cerca de 1 milhão de abortos e de 250 mil internações, por ano, decorrentes da prática.
Renata Mariz
Fonte Correio Brasiliense
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